quarta-feira, março 29, 2006

B de Bastian



Show no fear, for she may fade away.
In your hands the birth of a new day
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Oi, Pessoas! Tudo bem?

Finalmente, acabo de me sentar para escrever o segundo post do "Dicionário das Memórias de Leitura". Para quem não sabe, essa é uma série de posts acerca de livros que li entre os 4 e os 20 anos, alfabetado de acordo com um dos personagens da obra. A proposta é escrever apenas com base no que li na época (ou mais tarde, em releituras), sem recorrer a nenhum exemplar da obra e muito menos a críticas ou resenhas de outras pessoas... e, principalmente, escrever sobre o impacto que o livro teve em mim, o qual, em alguns casos, tem conseqüências até hoje.

O livro de que venho falar está num desses casos. Trata-se de A História Sem Fim, obra-prima (a meu ver) de Michael Ende, cujo protagonista é o Bastian citado no título. Bastian Baltazar Bux, um menino solitário, que menos compreende a si mesmo do que é incompreendido, e que não resiste à tentação de "pegar emprestado" um livro na loja do misterioso Sr. Koreander. Na capa, uma serpente que morde a própria cauda: o Ouroboros alquímico, relativo ao eterno retorno. O título: A História Sem Fim, o mesmo do livro de Ende, no qual vemos se fundirem a experiência de leitor de Bastian e as aventuras do herói da obra lida por ele.

No livro que Bastian lê - ou melhor, devora - , um reino denominado Fantasia está desaparecendo velozmente, e sua salvação está nas mãos de um jovem caçador chamado Atreiú. Este passa por toda sorte de provas e peripécias, acompanhadas por Bastian com o coração aos pulos e os olhos arregalados... até chegar à conclusão de que Fantasia deve recomeçar do ponto de partida, e que este depende da intervenção de uma criança humana. Bastian continua a ler, com ansiedade cada vez maior, à medida que os leitores externos vão vendo cada vez mais imbricadas as partes do livro que tratam dele e de Atreiú. Na verdade, a partir de certo momento, os trechos, compostos em cores diferentes (em verde para Bastian, em vermelho para Fantasia, na minha edição da Martins Fontes), começam a ser complementares um ao outro, e tal é a habilidade de Ende que, quando se percebe que a criança que todos esperam em Fantasia é o próprio Bastian, a própria noção de se estar diante de duas histórias paralelas praticamente já desapareceu. Um trabalho magistral de escrita... que, no entanto, está apenas começando.

Não vou adiantar o desfecho dessa primeira parte, a qual, aliás, foi adaptada para o cinema, na década de 80 se não me engano. Por causa desse filme, todos conhecem o Dragão da Sorte (o do cinema lembra um pouco um cachorro), o Monstro que Come Pedras, a Imperatriz Criança e outros personagens. O que poucos sabem é que o livro não termina daquele jeito, e muito menos naquele ponto; e a sua continuação nada tem a ver com as duas (atrozes) seqüências que a obra ganhou nas telas.

Na segunda parte do livro, após ter salvo Fantasia da destruição (ninguém duvidava, né?), Bastian é convidado a formular uma série de desejos, a partir dos quais aquela terra mágica vai sendo reconstruída e reinventada. No entanto - a exemplo do que acontece com os irmãos de Wendy e os Meninos Perdidos, em Peter Pan - cada um daqueles desejos vai apagando a verdadeira identidade de Bastian, fazendo-o esquecer de seu pai, de seu passado, de sua vida enfim no mundo que podemos chamar "real". Recuperar a memória e a identidade, a partir do único elo que sobrou, é um trabalho difícil, mas finalmente ele consegue - e volta para seu próprio universo, deixando que Atreiú, desde sempre habitante de Fantasia, viva por ele as aventuras que lhe restam por viver.

Isso é o que me lembro do livro que li aos 17 anos - e que, curiosamente, nunca reli, embora hoje o considere meu livro preferido, o que afirmo tranqüilamente sempre que me perguntam. Isso porque, sem falar na qualidade literária - a d´A História Sem Fim é superior à maior parte dos livros que já li, em todos os gêneros, e olhem que são muitos - essa obra foi uma espécie de "sacudida", ou melhor, de "despertar" para a pessoa que eu era, para o que vinha fazendo e para o rumo que queria dar à minha vida.

Quem leu minha autobiografia ou a contracapa dos meus livros sabe: eu conto histórias desde que me entendo por gente. Isso é uma verdade: eu sempre fiz isso, gosto de fazê-lo, acho que sempre farei, independente da minha profissão ou ocupação naquele momento. Mesmo nos períodos mais áridos, em termos de produção literária, nunca deixei de criar histórias e, sempre que possível, contá-las, o que me valeu ser rotulada de “louca”, “infantil” e até mesmo “esquizofrênica” em diversas ocasiões. A alegação era a de que eu “vivia em outro mundo” e “não separava a fantasia da realidade” coisa que hoje, olhando para trás, posso afirmar com naturalidade que não acontecia. Ao contrário de Bastian, creio que nunca corri o risco de perder meu elo com o “mundo real”. Não. O risco que eu corri foi, isso sim, o de cercear minha criatividade, abdicando de tudo que havia de original em mim pelo desejo de ser “igual às outras pessoas”.

Claro que com isso não estou afirmando que era, ou que sou, melhor do que ninguém. Acredito, isso sim, que cada pessoa tem um potencial a ser desenvolvido, e que existem vários tipos de inteligência e de talento cuja expressão às vezes faz de nós uns tipos gauches na vida. Muita gente é como eu, é verdade, e nestes últimos anos tenho conhecido vários. Mas houve um tempo em que não conhecia – e que o fato de escrever, contar e até mesmo gostar de ler histórias, especialmente do gênero fantasia, me afastou das pessoas com quem eu queria conviver. Naquele tempo o gênero era pouco divulgado, não havia uma Internet que unisse as pessoas com os mesmos interesses, e praticamente ninguém com quem eu pudesse trocar idéias. Mais tarde tive uns poucos amigos que jogavam RPG e que não me achavam tão maluca. Mas eles não eram escritores. E não tinham tempo nem interesse em ler os meus originais, até porque não sou nenhum talento precoce. Eu tinha boas idéias, acho. Mas escrevia muito mal mesmo.

Na época em que li A História Sem Fim, eu passava por um momento de crise e de muitas indagações a esse respeito – se valia a pena continuar, se eu estava perdendo tempo, se era possível que um dia escrevesse alguma coisa que prestasse e principalmente se alguém ia gostar daquilo (sim, eu já queria um público, embora ainda não pretendesse tornar a escrita minha principal ocupação. Não tenho vergonha de confessar isso). E não sei dizer exatamente no que aquele livro me tocou, mas A História Sem Fim me fez ter uma espécie de insight : a consciência de que um mundo fantástico, maravilhoso, existia dentro de mim, e que eu podia criar o que quisesse, desde que (como Bastian faz no final) respirasse fundo e enfrentasse os problemas que existiam “lá fora”.

Os meus tinham a ver com me amar e respeitar a mim mesma pelo que eu era, e buscar aquilo que eu queria, sem abrir mão do meu jeito próprio de ser.

E – como sabe quem me conhece – foi o que eu fiz.

Danke schön, Herr Ende!

A vocês - até a próxima!

Ana Lúcia

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Lines that keep the secrets will unfold behind the clouds.
There, among the rainbow,
Is the answer to a never ending story.

terça-feira, março 14, 2006

Retalhos de Prosa Solta

Oi, Pessoas, tudo bem?

Enquanto o próximo post literário não fica pronto, e atenta à possibilidade de uma greve dos servidores federais - se houver, como estou sem micro em casa, terei que recorrer às Lans - , resolvi deixar aqui alguns dedos de prosa solta. Só para registrar minha passagem pela Estante... que eu freqüento sempre que posso, é claro, para ler e me alegrar com os comentários. É bom saber que, embora relapsa para escrever e visitá-los, ainda tenho o carinho dos meus amigos.

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Bom, pra começar, um pouco sobre a viagem. Foi tão legal quanto eu imaginava, ou até mais. A serra gaúcha é seguramente um dos lugares mais lindos do Brasil, e à beleza natural se somam atrações maravilhosas que o povo criou por lá. A preferida da Luciana: o Labirinto de arbustos, na praça central de Nova Petrópolis, onde erramos entre sebes de 2 metros de altura até encontrar o centro. A minha: o Mundo a Vapor, na estrada para Canela, onde, entre outros modelos que funcionavam perfeitamente em pequena escala (olaria, usina, locomotiva...), visitamos a menor fábrica de papel do mundo. É incrível ver onde podem chegar o talento e o engenho de algumas pessoas!

Por falar em pessoas, tive o prazer de conhecer uma que, nos últimos meses, se tornou para mim muito querida: Adriana Paz, a "Drix", portoalegrense com quem travei contato através do Orkut e que hoje participa do blog-RPG baseado nos meus livros sobre o Castelo das Águias. O tempo que passamos juntas foi curto, pois ela só ficou em Gramado durante o Carnaval, mas foi o bastante para fortalecer o meu carinho pela Drix. Foi realmente um privilégio conhecê-la.

Lamento não ter podido, também, finalmente, conhecer o meu caro
Milton. É o terceiro desencontro, pois ele já esteve duas vezes no Rio e também não nos vimos. Mas sei que um dia há de acontecer.

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Pois bem, cheguei e tudo estava como antes. Ou quase: o Exército tinha ocupado algumas favelas do Rio,operação que durou cerca de dez dias. As manchetes dos jornais de hoje dizem que as forças armadas estão se retirando, sem ter encontrado as armas que procuravam; que sua saída foi aplaudida pelos moradores e que o tráfico voltou com força total.

Com essa e outras manchetes (como a da greve, que pode incluir a Polícia Militar) estampadas nos jornais, vi, no centro de Niterói, três soldados agrupados em volta da banca, discutindo num tom muito sério. Aproximei-me, querendo saber. Estavam falando sobre a possível vinda do Ronaldinho para o Flamengo. Ah, tá.

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Mas eu estou sendo terrivelmente injusta com os rapazes. Também não me ocupo dessas notícias e sim da minha ficção. Um Ano e um Dia, livro 2 da trilogia do Castelo das Águias, vai indo devagar, mas bem. Nas horas vagas, tenho lido Doris Lessing: os dois volumes da sua autobiografia - Debaixo da Minha Pele e Andando na Sombra - levaram á releitura de alguns contos e à compra do livro que é considerado a obra-prima da autora, O Carnê Dourado. Esse ainda não li, mas a protagonista é, parece, uma escritora chamada Anna Wulf. Ana Lobo. Eu venho constatando que sou um Coiote, cada vez mais.

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A greve do ano passado "comeu" minhas férias, e a viagem ao RS me deixou no "vermelho" no banco de horas, mas mesmo assim sonho com muitas outras. Com a "veia ficcional" aberta, não me mexo para marcar cursos e palestras - já aprendi a não me preocupar com isso : é um ciclo - , então em vez disso planejo viagens, ou talvez fugas, se formos um pouco mais fundo na questão. As factíveis: litoral paulista, Bonito, Maceió. As menos prováveis: Patagônia, Sete Cidades. E os países nórdicos, que talvez fiquem só no sonho mesmo. Quem sabe?

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Assim, bem ou mal, vou seguindo o caminho. Não me deixo abater pela falta de perspectiva porque estou conseguindo escrever - não em todos os lugares, não muito aqui, mas no meu próprio universo fantástico. Não é sempre que essa porta se abre, por isso estou indo em frente, deixando que se acumulem projetos e saudades. De tudo que eu ainda não fiz. De tudo (e todos) que eu ainda não vi.

Abraços pra vocês,

Até a próxima!

Ana